Por que engordamos e o que fazer para emagrecer: como foi criada a pirâmide alimentar?

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Dieta é normal?

Não se sinta mal por não gostar de dieta. A verdade é que ninguém quer fazer dieta. A dieta é só um meio para atingirmos um fim que pode ser: um corpo em forma, mais saúde, sentir mais bonito, sentir energia e disposição, melhorar a autoestima, melhorar qualidade de vida, etc.

Dentre todas as espécies de animais existentes no planeta, o ser humano (e os animais alimentados por ele) é a única que precisa fazer dieta para regular o peso. Todas as outras, mesmo que tenha fartura de alimento, regulam seu peso instintivamente.

Dieta resolve?

Vamos ser francos, quantas pessoas você conhece que conseguiram emagrecer e mantiveram o peso pelo resto da vida fazendo dieta? Estatisticamente 95% das tentativas de emagrecer fazendo dieta, não funcionam.

O mais curioso e contraditório de tudo é que o número de pessoas acima do peso vem aumentando numa era onde as opções para emagrecer são inúmeras. Vamos para pra pensar? Nunca na história foi tão grande o número de academias, clinicas de estética, profissionais da saúde especializados em emagrecimento (médicos, nutricionistas, personal trainer, etc), suplementos, remédios, produtos light, produtos diet e até cirurgias.

Vou copiar abaixo o artigo escrito por Cíntia Vieira Souto, professora da Faculdade Portoalegrense (FAPA), historiadora do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Por que engordamos

Por Cíntia Vieira Souto
Vivemos numa sociedade absurdamente dependente de ciência e tecnologia, na qual quase ninguém sabe nada sobre ciência e tecnologia.
Carl Sagan (1934-1996)
A pesquisa Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) do Ministério da Saúde de 2013 aponta que 51% dos brasileiros com mais de 18 anos estão acima do peso. Em 2006, quando essa pesquisa começou a ser feita o índice era de 43% [1]. Mas não é necessário recorrer à estatística. Basta circularmos no centro de Porto Alegre e veremos grande número de pessoas – homens, mulheres, adolescentes, crianças – acima do peso. Agora, pegue algumas fotos da infância dos seus pais ou dos seus avós. Dificilmente haverá algum obeso nessas fotos. O estranho é que no tempo dos nossos pais não havia produtos light ou diet, tampouco academias de ginástica. Há algo muito errado com a nossa alimentação. E isso tem uma história relativamente recente.

Como surgiu a pirâmide alimentar

Basta consultarmos um nutricionista, um endocrinologista ou comprarmos uma revista tipo Boa Forma para tomar contato com a pirâmide alimentar. Até na escola as crianças estudam a onipresente pirâmide. Basicamente, ela nos diz para comermos uma maior quantidade de carboidratos (pão, arroz, massa, cereais), localizados na base, e comer pequenas quantidades de gordura, localizada no topo. No meio, ficam as frutas, verduras, carnes (magras), ovos, leite.
Mas qual a origem da pirâmide alimentar? A origem está relacionada a uma ideia que se transformou em um dogma: a de que a gordura faz mal para a saúde.
Durante a primeira metade do século XX, os nutricionistas estavam mais preocupados com desnutrição do que com alimentação excessiva. Depois da Segunda Guerra mundial, contudo, uma epidemia de doença cardíaca chamou a atenção das autoridades de saúde nos Estados Unidos. O bioquímico Ancel Keys, da Universidade de Minnesota, foi um dos primeiros a sugerir que a gordura na dieta poderia ser a causa da doença cardíaca [2]Em 1956, Keys iniciou o “Estudo dos Sete Países”, no qual seriam avaliados 130 mil homens de meia idade na Iugoslávia, Grécia, Itália, Finlândia, Holanda, Japão e Estados Unidos. Os participantes eram submetidos a exames no início do estudo e tinham sua saúde periodicamente avaliada. Os primeiros resultados foram publicados em 1970 e, após, a cada cinco anos, à medida que os participantes envelheciam e faleciam. Os resultados foram: 1) o nível de colesterol estava relacionado à doença cardíaca; 2) a quantidade de gordura saturada na dieta aumentava o nível de colesterol e, logo, de doença cardíaca; 3) a gordura monossaturada protege contra doença cardíaca [3].
O problema desse estudo é que ele foi concebido para confirmar uma hipótese pré-estabelecida. Keys considerava que a gordura na dieta causava doença cardíaca. Então ele escolheu sete países cujos dados confirmariam essa hipótese. Segundo Gary Taubes, se ele tivesse incluído a França e a Suíça, por exemplo, sua hipótese cairia por terra [4]. O estudo causou algum impacto, mas havia controvérsias na comunidade científica. Muitos pesquisadores questionavam os resultados da pesquisa e discordavam abertamente da tese de que a gordura causava problemas cardíacos.
Paralelamente, independente do mundo científico, se desenvolvia no mundo ocidental e nos Estados Unidos em particular, um movimento anti gordura na alimentação. Relacionado à contracultura da década de 1960, esse movimento criticava o consumo excessivo de bens materiais, bem como de carne e do tradicional american breakfast à base de bacon e ovos [5].
Foram os políticos, todavia, que transformaram essa ideia em um dogma e mudaram a política nutricional dos Estados Unidos e, consequentemente, do mundo ocidental. Em 1969 foi criado, sob responsabilidade do senador George MacGovern, o Select Committee on Nutrition and Human Needs (Comitê em Nutrição e Necessidades Humanas) com o objetivo de erradicar a má nutrição. Esse trabalho terminou em 1970, mas os dois membros principais do comitê, Marshall Matz e Alan Stone, advogados, decidiram se ocupar dos excessos alimentares. A partir de 1976, um membro do comitê, Nick Mottern, jornalista, recebeu a tarefa de escrever um guia com diretrizes nutricionais. “Mottern, que não tinha nenhuma formação cientifica e nenhuma experiência em escrever sobre ciência, nutrição, saúde, acreditava que suas diretrizes dietéticas iriam produzir uma ´revolução na dieta e agricultura desse país`” [6]. Ele adotou a ideia da gordura como o principal vilão da dieta, ignorando as controvérsias científicas em torno da tese.
Em 14 de janeiro de 1977, foi publicado o Dietary Goals for the United States, documento que regula o que comemos até hoje. A recomendação principal era de cortar a ingestão de gordura para 30% do total de calorias consumidas e de gordura saturada para 10%. A gordura foi comparada ao cigarro e a indústria de carnes e ovos foi acusada de se comportar como a indústria tabagista, vendendo produtos nocivos somente para obter lucros. Muitos cientistas e entidades protestaram contra as diretrizes. Mas, em geral, eram acusados de estarem “trabalhando” para a indústria.
As diretrizes poderiam ter sido esquecidas com o encerramento do comitê MacGovern no final de 1977. Mas duas agências federais levaram a questão adiante. A primeira foi a USDA (United States Departamento of Agriculture). Carol Foreman, secretária assistente do USDA, consultou a NAS (National Academy of Science) a respeito das diretrizes. Quando seu presidente Philip Handler, disse-lhe que elas não faziam sentido e não tinham base científica, ela ignorou e procurou alguém com opinião contrária. Consultou os ex-membros do comitê MacGovern que indicaram Mark Hegsted, da Harvard Scholl of Public Health, um entusiasta das diretrizes. Hegsted foi contratado por Foreman. O resultado foi a publicação em fevereiro de 1980 do Dietary Guidelines for Americans, quase idêntico às diretrizes de 1977. Novamente houve reações, mas, dessa vez, a imprensa (The Washington Post, The New York Times) saiu em defesa do novo paradigma [7].
Nos próximos anos, cerca de meia dúzia de estudos foram feitos para verificar a hipótese de que a gordura causava doenças cardíacas. Nenhum desses estudos provou que o baixo consumo de gordura protege de doenças cardíacas. Um desses estudos, feitos pelo NHLBI (National Heart, Lung and Blood Institute) testava o efeito de uma droga, a colestiramina. Os pesquisadores concluíram que essa droga baixava o colesterol e diminuía, muito pouco, o número de mortes por doença cardíaca. Foi nesse ponto que os defensores das diretrizes se fixaram: se uma droga que baixa o colesterol diminui mortes por doença cardíaca, diminuir a ingestão de colesterol deve também diminuir as mortes por doença cardíacas (ignorando as diferenças entre os dois processos).
O NHLBI desencadeou uma massiva campanha a favor da tese. Em março de 1984, a capa da Time mostrava um prato com ovos no lugar de olhos e bacon no lugar da boca, com a palavra “colesterol” como título. O pesquisador do NHLBI diz na reportagem: os resultados “indicam fortemente que quanto menos colesterol e gordura na sua dieta, mas reduz-se o risco de doença cardíaca” [8].
Assim, estava formado o consenso. Em 1992, o USDA criou, com base nas diretrizes, a nossa conhecida pirâmide alimentar, recomendando pouca gordura e muito carboidrato. Nas palavras de Taubes “na história da convicção nacional de que a gordura na dieta é mortal, e a sua evolução de hipótese a dogma, políticos, burocratas, a mídia e o público desempenharam um papel muito maior do que o dos cientistas e da ciência” [9].
As diretrizes fizeram a felicidade da indústria alimentícia e farmacêutica. O café da manhã americano tradicional foi trocado por cereais matinais. Foram criados inúmeros produtos low fat, nos quais se utilizam carboidratos e produtos artificiais (adoçantes, corantes, estabilizantes) para simular o gosto da gordura. E as estatinas, medicamentos para reduzir o colesterol, são uma das maiores fontes de lucro da indústria farmacêutica.
Na verdade, somos resultado de uma evolução de cerca de dois e meio milhões de anos ao longo dos quais nos alimentamos predominantemente de carnes e vegetais. Nosso organismo foi adaptado para isso. Não é necessário ser cientista para perceber que a mudança da dieta para qual fomos evolutivamente adaptados causaria efeitos indesejados [10]. Eles estão nas ruas, nos consultórios médicos, nas escolas, nos programas de televisão.
Olhe novamente a foto dos seus avós. Eles não compravam produtos diet, não corriam no parque e não contavam as calorias que comiam. Então, não comam nada que seus avós não reconhecessem como comida.

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